23 de agosto de 2009

Confesso que Vivi

Senti quase o mesmo que quando me "aproximei" da poetiza Sophia de Mello Breyner Adresen através do belíssimo livro de prosa "Contos Exemplares". Também com o poeta chileno Pablo Neruda (Prémio Nobel da Literatura de 1971), este livro de memórias em prosa foi a minha "escada" de acesso que não sei onde me levará?!?
Pablo Neruda (1904-1973) é o poeta mais lido e mais querido nos anos 60 e 70 e era afinal um poeta comunista. Diplomata, deputado, candidato à presidência, sempre foi empenhado politicamente, escrevia milhares de páginas de poemas ainda hoje apaixonantes. Não havia qualquer incompatibilidade. Eram a sua forma de amar a natureza e o homem.

Aqui deixo 3 passagens deste "Confesso que Vivi" de Pablo Neruda:
"Se os poetas respondessem com verdade aos inquéritos, revelariam o segredo: nada há de mais belo que perder tempo. Cada qual tem o seu estilo para tão antiga maneira de viver";
"Lembrei-me que, numa discussão sobre o problema de ter Shakespeare escrito ou não as suas obras, discussão académica e absurda, Mark Twain, intervindo, opinou: «Na verdade, não foi William Shakespeare quem escreveu esses livros, mas outro inglês que nasceu no mesmo dia e à mesma hora que ele, que morreu também na mesma data e que, para agravar as coincidências, se chamava também William Shakespeare»" e
"Juntei na minha casa brinquedos pequenos e grandes, sem os quais não poderia viver. A criança que não brinca não é criança; mas o homem que não brinca perdeu para sempre a criança que nele vivia e que tanta falta lhe faz ao longo de toda a existência. Construí também a minha casa como um brinquedo e com ela brinco de manhã à noite".

Para terminar, e porque o "Confesso que Vivi" não tem um único poema, aqui fica também o único poema de Pablo Neruda que consta do livro "Rosa do Mundo - 2001 Poemas para o Futuro" (Assírio & Alvim - Porto 2001):
UNIDADE
Há algo denso, unido, sentado no fundo,
a repetir seu número, seu sinal idêntico.
Como se nota que as pedras tocaram o tempo,
em sua fina matéria há um olor a idade,
e à água que traz o mar, de sal e sonho.

Rodeia-me uma mesma coisa, um movimento único:
o peso do mineral, da luz, do mel,
colam-se ao som da palavra noite:
a tinta do trigo, do marfim, do pranto,
as coisas de couro, de madeira, de lã,
envelhecidas, debotadas, uniformes,
unem-se em meu redor como paredes.

Trabalho surdamente, a girar sobre mim mesmo,
como o corvo sobre a morte, o corvo de luto.
Penso, isolado na extensão das estações,
central, cercado por uma geografia silenciosa:
uma temperatura parcial cai do céu,
um extremo império de confusas unidades
reúne-se a cercar-me.
(tradução: José Bento)

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