"O Desejo de Kianda" foi o segundo romance que li do escritor angolano Pepetela (nascido em 1941), Prémio Camões em 1997. Após o enorme "A Gloriosa Família", uma saga com quase 400 páginas, este pequeno livro leva-nos a saborear o mundo fantástico dos espíritos (e de prédios habitados a cair sem causarem vítimas), ao mesmo tempo que nos confronta com as duras condições de vida de Luanda, fruto da política e da guerra.
Aqui deixo três curtas passagens:
"Carmina era agora frequentadora habitual das boutiques de luxo que conviviam com a miséria indescritível dos refugiados e das crianças órfãs ou abandonadas que enchiam as ruas da capital, dormindo ao relento nos pórticos da Avenida Marginal ou na areia da Ilha de Luanda";
"Carmina chamou o criado e encomendou uma garrafa de champanhe, o mais caro francês, porque em Luanda sempre foi assim, temos fome e o melhor champanhe francês e uísque velho. Muitos morrem por ingerirem caporroto barato, destilado clandestinamente com pilhas para acelerarem a fermentação, mas esses não contam, são os marginalizados do processo, deste e do anterior";
"Luanda se ia enchendo de gente fugida da guerra e da fome, num galopante e suicidário crescimento. Milhares de crianças sem abrigo vagueavam pelas ruas, milhares de jovens vendiam e revendiam coisas aos que passavam de carro, mutilados sem conta emolavam nos mercados. Simultaneamente as pessoas importantes tinham carros de luxo, de vidros fumados, ninguém que lhes via a cara, passavam por nós e talvez nem olhassem para não se incomodarem com o feio espectáculo da miséria."
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